Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira.
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.




por; Carla Mousinho

terça-feira, 15 de setembro de 2009


Nascer de Novo

“Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?”

Carlos Drummond de Andrade


Análise: Esse texto nos mostra a beleza e a maturidade de versos como [a dor de formas repartidas] ou [o nervo exposto dos problemas]. Também a grandiosidade das perguntas no final da segunda estrofe, dentre as quais [Viver é torturar-se, consumir-se/ à míngua de qualquer razão de vida?]. Isto apenas demonstra que o poeta, ao longo de sua existência e da publicação de seus livros, nos trouxe um manancial fabuloso da melhor poesia, construiu um caminho por onde trafegamos comovidos, estarrecidos, dissolvidos, absorvidos por versos que nos contaminam com uma percepção clara e rara de ver as coisas.

Aroldo Ferreira Leão

Por: Andressa Câmara

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

As Sem-razões do Amor


Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

postado por: Rafaella Fiquene

Memória



Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

postado por: Vitor Muniz

domingo, 23 de agosto de 2009

O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.


Carlos Drummond de Andrade


(por; Carla Mousinho)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Poesia de Carlos Drummond

Infância
Carlos Drummond de Andrade

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.


No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.


Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!


Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.





"Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons."
Carlos Drummond de Andrade

Por: Mateus do Valle (poesia encontrada) e Andressa Câmara (fez o vídeo)

Crítica à Carlos Drummond

"Com uma obra imensa, intensa, densa, tanto em poesia como em prosa, Drummond eleva sua criação a patamares de altíssima qualidade, recria em si mesmo uma investigação sucinta sobre a realidade humana, dialoga com seus fantasmas num misto de pessimismo e solidão ante o cru cotidiano a que estamos envolvidos desde a concepção do mundo, retrata no tempo a ancestralidade viva de seus mortos com bastante precisão. São inúmeros os textos críticos sobre sua obra, diversas análises literárias foram criadas tentando explicar, explanar, esmiuçar a força de uma poesia sempre atenta aos segredos e degredos humanos. Nomes como Antônio Cândido, Antônio Houass, José Guilherme Merquior, Afonso Romano de Sant’anna, Silviano Santiago e tantos outros, inclusive críticos estrangeiros, como o mexicano Rodolfo Mata e o búlgaro Stoyanov, Professor de Literatura e Cultura do Brasil na Universidade de Sófia, em seus textos críticos apenas confirmam a grandiosidade do vate itabirano que até o final da vida remoeu sua alma buscando explicações para o porquê de tudo, desconfiando, desconfiado, abrindo-se e fechando-se para a comunhão dos desesperos do mundo, expandindo-se em versos que ficarão, para sempre, gravados na memória da alma da língua portuguesa."

Aroldo Ferreira Leão (crítico)

"Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante."
Carlos Drummond de Andrade

Por: Jordânia Abreu e Andressa Câmara

Quem é Carlos Drummond de Andrade?


Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. Drummond era filho de uma família pobre, passou a estudar em Belo Horizonte e em uma escola de jesuítas, Colégio Anchieta de Nova Fribugo no Rio de Janeiro, onde foi expulso por insubordinação mental. De novo em Belo ele começou a carreira de escritor, como colaborador do Diário de Minas. Mas antes do toda a pressão familiar para obter o diploma, ele se formou em farmácia, em Ouro Preto em 1925. Junto com outros escritores ele formou A Revista, que apesar de ter durado pouco tempo, foi importante veiculo de afirmação do modernismo em Minas Gerais.

Ante a insistência familiar para que obtivesse um diploma, formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil.

Por Rafaella Fiquene e Andressa Câmara


" Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo."
Carlos Drummond de Andrade
Por: Andressa Câmara